Dilma, não faça do Rio dos Macacos um Pinheirinho!

00:00 – ROSEMEIRE

A gente tem uma certidão reconhecendo que a gente somo quilombola, né? A gente é de geração mesmo de escravo. A minha vó nasceu e se criou aqui, ela tem 120 anos.

A gente é vigiado 24 horas. A gente não dorme. A gente não dorme à noite, quando a gente cochila a gente pensa que não vai acordar no outro dia porque na verdade no fundo das nossas casas à noite é cheia é cheio deles. E é encapussado. Aquele negócio preto no rosto. A gente não sabe quem é a pessoa. A gente só sabe que é da marinha por causa da farda.

00:43 – DONA MARIA

Era muito bom. Era muito bom isto aqui. Muita alegria. Muita alegria pra gente aqui. Todo mundo nasceu. Meus filho nasceu, tudo se criou aqui. Eu nasci e me criei aqui. E por que eles estão com esta perseguição comigo? Pra mim tirar de uma terra em que eu nasci e me criei? Pra ir para debaixo da ponte? E depois diz que  a gente é tudo invasor. Nós não somos invasor não, moço. Quando eles chegaram, eles acharam a gente. A gente catava café. A gente plantava a roça. A gente vivia das plantações da roça da gente. E a criação. Criava porco. Criava muita galinha. E a gente sobrevivia disto.

01:30 – Quando eles fizeram esta vila militar, este condomínio…

01:35 – DONA MARIA

A gente trabalhou muito pra ajudar eles, meu fie. A gente trabalhou muito, porque aqui era caminho de estrada de boi. Passava aqui pela frente. Eu vi este calçamento aqui. Eu vi, trabalhei, vendi comida pra fazer este prédio e hoje vivo maltrada deste jeito.

Quando o pai destes meninos meu, meu esposo, trabalhou fazendo a base naval porque ali não tinha base. Aquilo dali se chamava Ponta de Areia. O pai dela trabalhou muito naquela construção da base naval de Aratu. Depois que eles chegaram, porque eles me procuraram pá trabalhar. Eu lavava… lavava, passava, quê o primeiro fuzileiro que apareceu aqui, a mulher dele teve cria na casa da fazenda que era do meu pai. Quem ajudou a nascer foi eu. Aí mandei chamar parteira. Eu nunca cortei bico, mas menino, muitos meninos eu aparei aqui.

02:40 – Então, tinha uma boa convivência?

02:42- DONA MARIA

É, tinha uma boa convivência…

02:43 – FILHO

– Não era muito boa não, viu, minha mãe. Pelo amor de Deus!

02:44 – DONA MARIA

– Não era muito… não era muito boa, mas dava pra gente viver. E hoje este pessoal aqui chegaram…

02:54: – E quando é que começaram os problemas maiores?

02:56 – DONA MARIA

– De pouco tempo pra cá, de pouco tempo pra cá. Eu fui pa casa de um filho pa operar a vista. Que tava cega. Cega cega. Aí fiquei lá, eles vieram aqui já com este papel. Deram pro meu filho. Meu filho levou. Nós não sabia que eles estavam pra perseguir a gente, pra gente sair. Aí tomaram aquela atitude, de uma hora pra outra. Eu cheguei, e eles aqui pedindo o terreno… pedindo o terreno. Dizer que era pa eu sair, que é pa procurar pra onde ir. Adquirir terreno. “A gente tá precisando fazer prédio aqui, pra gente morar aqui, pros fuzileiro. A senhora tem que desocupar. Vá pra casa de um parente. Vá para casa de um filho”. Nós saímos. Cadê minha mocidade, minha resistência? Tá toda aqui. Eu vou sair pra ir pra casa de um filho. E para morrer na casa de um filho. Eu não posso sair.

04:00 – DONA OLINDA

Eu nasci aqui perto da barragem dos macacos, que hoje é quilombo do Rio dos Macacos. Somo família de gente analfabeto, viu? Que não tivemo oportunidade de aprender a ler, porque muito das vez fomos proibido de sair daqui pra estudar lá fora. Pra gente estudar, a gente tinha que ficar na casa de tios, lá fora, ou então na casa de conhecidos. Então quem teve oportunidadezinha estudou um pouquinho. Quem não teve é analfabeto mesmo. Nossa família é de pessoas analfabetas. De setenta pra cá, foi construída aqui este conjunto aqui da Marinha. E depois deste conjunto da Marinha que foi construído, a Marinha começou a perseguir a gente. Mas uma perseguição ferrenha mesmo. Minha mãe, ela pode sobreviver e ver um filho dela ser espancado na portaria porque vinha pra casa.

04:45  – DONA MARIA

– Olha é este que taí, é Luis.

04:47- DONA OLINDA

– Esse que taqui é Luis. Luis foi espancado na portaria. Foi preso. Levaram ele pra quinta. E os fuzileiros da Marinha, chegou na quinta, mandou o pessoal da quinta matar ele. Nós tamo vivendo praticamente ilhados aqui. Minha mãe, minha mãe cercaram ali na frente pra ela não passar. Tem retrato dela aí, certo? A gente saiu, quando a gente chegou, tá minha mãe toda fechada de arame. Do lado de cá, sem poder se locomover, porque eles fecharam tudo. Porque eles ainda estão pegando o bonde do passado, certo? Eles estão ainda caminhando no bonde do passado. Porque eles falam em pau de arara. Fala em perversidade com a gente. Fazem sinais de perfersidade. Passam pela gente fazendo sinal de perversidade, como quem vai machucar. Então, nós vivemos com medo. Nós vivemos oprimidos e com medo aqui. E eles dizem o quê? Que eles são a Nação. Que eles estão aqui pra proteger a gente. Que vão lá pra fora pra proteger o Haiti. Que vão lá pra fora pro navio escola pra Amazônia pra curar o povo. E a gente vive aqui desdentado, sem cuidado nenhum, porque a gente não tem oportunidade de andar não. Nem na igreja deles ninguém entra. E hoje eu vivo com medo dentro da minha própria casa. Deles entrar aqui, me arrastar, levar pra dentro de um mato, e me matar.

5:51. EDGAR

Aqui era caatinga. Ali era roça e casa. Esse alto que você esta vendo ali, onde está aqueles prédios, aquelas casas ali, era roça e casa. Eles botaram aquele povo tudo pra correr sem direito a nada. Tem gente aí, que ainda estão por aí, coitado, jogados por aí, mas saíram tudo aí sem direito a nada. Umas cinquenta famílias. 6:14. Eu cheguei aqui em 1960. Vim trabalhar na fazendo dos Martins. Os Martins eram um grupo, junto com os Magalhães, que tinha usina de açúcar aqui em Aratu. Então, o que que acontece? A usina abriu falência, né? E aí os trabalhadores moravam assim, tinha as roças dele, as casinhas deles. No que abriu falência, disse olha tu fica com tua área. É tua como idenização. Plantava de tudo. Aqui, isso aí. Este mato aí era roça. Olha, nós plantava quiabo, maxixe, abóbora, melancia, aipim, banana ainda tem aí por dentro do mato. É, mangueira, jaqueira, abacate, cacau. Tudo nós tem aí, né? Agora aipim, mandioca, a gente parou de plantar. Paremos de plantar porque eles não deixa.

7:07 – JOSE ROSALVO.

Daqui até na pista lá tudo isto aqui era plantio, era roça, era roça. Aqui já tem uma faixa de uns trinta anos que eles já vêm sempre nos apertando pra parar… pra parar… pra parar de plantar, de plantar, de plantar… Agora a coisa apertou mesmo de uns seis anos pra cá.

07:27 – ROSEMEIRE

Tinha uma casa de farinha ali. Aqui tinha um plantio de mandioca. A dona da casa fazia farinha, beju, bolo de aipim, tapioca. Fazia muitas coisas na casa de farinha dela. Mas acabou com tudo, a Marinha proibiu tudo. A gente parou de plantar porque a Marinha não permite mais e a casa de farinha foi destruída.

07:57 – SEU EDGAR

A minha família mora o bolo. Duas, três famílias numa casa só, porque não pode fazer a casa que eles não deixam. Se fizer, eles vêm derrubar.

08:05 – JOSÉ MESSIAS

Tá caindo, tá toda escorada a casa, porque a qualquer momento esta casa vai cair. Eu mesmo tenho trinta anos. Nasci e me criei aqui. Meus pais, minha avó, minha bisavó, eram daqui. Então, eu mesmo tô fazendo ali um quarto e sala ali, porque não vai dá pra ficar nesta situação aqui. E qualquer momento eles podem chegar ali e derrubar. Chegam mesmo e derrubam. Não querem nem saber quem tá dentro de casa, quem não tá. E aí várias perseguições a gente vem seguindo ali. Na derruba da casa de meu irmão veio cento e vinte homem. Cento e vinte homens, tudo bem armado. Aí ninguém passava, até as criancinhas de um ano que tavam chorando porque estavam derrubando a casa de meu irmão, as filhas dele que, uma que tinha dois anos na época. Eles com os rifles apontando mandando voltar. Que não era pra encostar. Se, até criança, se chegasse junto dele ele dizia que iria atirar. “Não encoste, se encostar alguém a gente atira.”

09:00 – ROSEMEIRE

A gente não tem banheiro. A gente faz assim… um local assim tipo um banheiro. Mas a gente não tem banheiro. A gente não tem autorização pra botar rede de esgoto. Por que eles não dá… eu já tentei. É. Eles entram do local onde a gente faz as nossas necessidades, toma banho e tudo. A gente pode tá nua como for, eles entram. Invade mesmo. Já invadiu dentro da casa de um morador de cavalo. Entram numa porta,  a porta da frente e saiu pela porta do fundo. E todas as coisas que a gente tinha dentro de casa, de alimento, eles furaram tudo.

09:32 – JOSE ROSALVO

Sem direito a uma casa digna. Sem direito de trabalhar. Sem direito de estudar. Sem direito de água e de luz. Toda a infraestrutura que um ser humano, hoje, tem, e como a gente sabe que por lei tem que ter. As suas melhoras na suas vida, a gente aqui somos escondidos. Estava escondido.

http://blogbahianarede.wordpress.com/2012/03/04/quilombo-rio-do-macaco-oficial-da-marinha-diz-que-cerco-foi-coincidencia/

2 Respostas para “Dilma, não faça do Rio dos Macacos um Pinheirinho!

  1. Reblogged this on Mamapress and commented:
    A transcrição dos depoimentos que repassamos paratodos

  2. E dizem que o BRASIL é a oitava economia do mundo, coitado dos pobres que vivem no BRASIL.Não é este socialismo que o povo, quer sem direito a morar na terra onde nasceu.Ai eu digo assim: SENHORES GOVERNANTES OLHAI O DIREITO DESTE POVO QUE VIVE SEM TETO NA RUA PEDINDO SOCORRO.

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